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Vamos ouvir: A Eletrônica e Musical Figuração das Coisas, da Isadora

A Eletrônica e Musical Figuração das Coisas (2011),
da Isadora


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Release do CD, disponível no site da banda Isadora:

Em um tempo em que as fronteiras artísticas, diferenças de estilo, vertentes e tendências cada vez mais se confundem, misturam-se e se rearranjam, A eletrônica e musical figuração das coisas é o resultado de misturas improváveis. Versos do Alcorão entoados ao lado de um cello; sax sobre a marcação de tambores de candomblé; coro de crianças em uma canção que fala sobre morte ao som de um kazoo; um brega estilizado junto com um instrumental computadorizado e um dub para dançar devagar; português, espanhol, inglês; samples, texturas, ruídos urbanos não são todos esses elementos de diversos discos de diferentes culturas, mas de apenas um, o primeiro álbum da banda carioca Isadora.

O que pode parecer à primeira vista um amplo experimento, testes, projeto piloto, é na verdade o resultado de um trabalho de lapidação que mais lembra o acabamento de esculturas barrocas, repleto de nuances, detalhes quase invisíveis, inaudíveis, um disco para ser visto atentamente com lupa nos ouvidos. Em muito, esse detalhamento se deve aos arranjos quase sempre complexos, com muitas camadas de sons e elementos sonoros sobrepostos para formarem uma coesão harmônica e melódica que dão vida às canções do disco.

Outra característica marcante do trabalho é que, sem uma feição que permita identificá-lo em apenas um estilo musical, as aproximações com estilos definidos são sempre ambíguas. A melancolia e certa angústia de muitas faixas ganham contraposição à vida e luminosidade. Letras autorais e empréstimos de poetas com os quais a banda se identifica, além de inserções de ruídos urbanos e texturas eletrônicas fecham as principais características do álbum. 

Apesar de tantas características que poderiam dar ao disco um ar de inovação, Isadora prefere identificá-lo como o resultado da capacidade inventiva de seus integrantes na busca por algo novo em estilo, mas repleto de referências ao que já é conhecido ou popular. A eletrônica e musical figuração das coisas é uma espécie de quebra-cabeças em construção, composto por peças de muitas imagens diferentes.

O nome Isadora é tanto inspiração como homenagem à bailarina norte-americana Isadora Duncan, precursora do que hoje se conhece como dança moderna. Em seu primeiro álbum, Isadora buscou os elementos da experiência vanguardista da bailarina para produzir uma música de movimentos improváveis, mas harmonicamente belos. Sua formação compreende hoje o carioca Bruno Cosentino [voz, violão e guitarra]; o colombiano/costa-riquenho/brasileiro Andrés Patiño [violão e guitarra]; Bernardo Prata [baixo]; Gabriel Carneiro [bateria]; e Pedro Tié [texturas eletroacústicas e piano]. Entre as principais influências da banda estão Radiohead, Caetano Veloso, Tom Jobim, Dorival Caymmi, Bach, John Coltrane, Erik Satie, Funk Carioca, Piazzola, Avishai Cohen etc etc etc.

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