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As certezas e as palavras, de Carlos Henrique Schroeder

Carlos Henrique Schroeder
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad


"Eu nem ao menos sou o que sei"


"Meu rosto na sombra é paisagem ou passagem?"


"Estamos nos distanciando dos animais de que descendemos para nos aproximarmos das máquinas que construímos"


"Se excluirmos a morte, ao nascermos, duas outras certezas nos acompanharão: a de que seremos filhos frustrados, num determinado momento, e pais inseguros, em outro"


"Palavras como tristeza, cansaço e solidão causam grande impressão em qualquer garoto, ainda mais quando se mergulha nessa tríade diariamente. Marcelinho batia ponto num pequeno amontoado de terra, perto do poço. Ele e seus dois carrinhos de plástico. E gostava de conversar com o pequeno morrinho, um pouco menor que ele, atribuindo a ele certa forma humana (...) Dizem que sonhar com formigas é um sintoma de solidão. Marcelinho sempre sonhava com formigas. Elas o mordiam nos sonhos. Quando apareciam formigas em seu morrinho, ele voltava para o quarto, para o walkman. 'Há tempos tive um sonho, não me lembro, não me lembro...'"


"O amor sempre nos tira do raso e arrasta para a arrebentação: o acorde do desespero, noite azulada"


"Não acreditava no papo de que um trabalhador não desiste nunca, essa falácia que inventaram do povo brasileiro, que desiste sim, se vende sim, se ilude sim. E enquanto ele pensa na vida, no terceiro piso de uma quase falida loja de departamentos, onde o carpete fede, a vida pulsa dentro de Maria"


"A literatura é feita de espaços. Chega de repetição. Espaços. Ex-paços"


"Não há prazer sem culpa e vice-versa. O gozo é um olhar enviesado na curva do tempo, um tecido amassado"


"Bom se estivessem todos mortos. Todos eles. Pois a verdade consome, arrasta e enlouquece, e preciso despejar o que escondi, essa mistura de melancolia e incompreensão que sempre ocultei atrás do sorriso fácil (...) Eis que suporto os olhares de reprovação, mas não vou combater com minhas armas: as palavras. Essas palavras negras sobre as páginas amareladas, que você perpassa com olhos afoitos, caro leitor, são ao mesmo tempo, desgraça e redenção"



Trechos presentes no livro "As certezas e as palavras" (Editora da Casa, 2013), de Carlos Henrique Schroeder.

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