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A máquina de Joseph Walser, de Gonçalo M. Tavares

Gonçalo M. Tavares na Flica 2014
Foto: Egi Santana


"Será possível que este homem, que agora se cruza comigo na rua, será possível que este rosto perfeitamente informe, que não conheço, que não evidencia nenhum traço mágico ou de força invulgar, será possível, enfim, que este rosto que é como que a repetição de milhares de outros rostos, este rosto interminável, porque grotescamente comum, será possível que por detrás deste rosto esteja um homem que deseja ser grande, e que acredita que isso ainda é possível?"


"Os períodos em que existe medo são utilizados não apenas para sobreviver: também para as paixões efusivas. Mas se a qualidade de uma geração se mede pela qualidade das frases que quem seduz utiliza, então aquela era, sem dúvida, uma geração medíocre."


"Em comparação com a administração de um país, individualmente, em tempo de guerra, cada homem, por si, como que fundava um Ministério da Normalidade, que impunha, essencialmente, repetições. Porque só as repetições acalmavam, só as repetições permitiam a cada indivíduo voltar a encontrar-se humano no dia seguinte. Repetições de actos ou de pequenos gestos, de palavras ou de frases banais – repetições até de actos não visíveis, não registáveis pelos outros, como imagens e memórias do cérebro –, tudo isso permitia a cada um sobreviver no meio da confusão, resistir no meio do reino da desordem"


"Você é de uma eternidade espantosa, é uma cópia perfeita, neste lado, daquilo a que vulgarmente se chama sábio."



Presentes no romance "A máquina de Joseph Walser" (Companhia das Letras, 2010), de Gonçalo M. Tavares, páginas 125, 106, 108 e 49, respectivamente.

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