Pular para o conteúdo principal

Trinta e nove passagens do mestre Anton Pavlovitch Tchekhov

Антон Павлович Чехов
Arte: Mirdad


"(...) O pensamento livre e profundo, que procura compreender racionalmente a vida, e um desprezo absoluto às vaidades estúpidas do mundo – eis os dois bens mais elevados que o homem jamais conheceu (...)"


"(...) Não existe sobre a terra nada de bom que não tenha na sua origem alguma vilania."


"(...) Por mais esplêndida que seja a aurora que ilumine a sua vida, apesar de tudo no final será encerrado num caixão e atirado numa fossa."


"Infelizmente, não sou filósofo nem teólogo. Sei perfeitamente que não tenho mais de meio ano de vida; agora, parece, deveriam ocupar-me particularmente questões sobre as trevas de além-túmulo (...) Mas, por algum motivo, minha alma não quer saber dessas questões, embora a razão compreenda toda a sua importância (...) agora, diante da morte, só me interessa a ciência. Emitindo o suspiro derradeiro, ainda hei de crer que a ciência constitui o mais importante, o mais belo, o mais necessário na vida do homem, que ela sempre foi e será a manifestação mais elevada do amor, e que somente por meio dela o homem vencerá a natureza e a si mesmo."


"– Que roupa bonitinha a sua! – disse ele e tocou com o dedo a franja dourada do seu lenço de cabeça.
– Tem-se o que se pode... – disse desanimada a morena.
– A senhora vem de que região?
– Eu? De longe... Da região de Tchernigov.
– Boa terra. Lá é bom.
– É bom onde não estamos."


"(...) um juiz, para destituir um homem inocente de todos os direitos civis e condená-lo aos trabalhos forçados, só precisa do seguinte: tempo. Apenas tempo para a execução de umas poucas formalidades, pelas quais o juiz recebe um ordenado, e a seguir tudo acaba (...) não será ridículo cogitar de justiça, quando toda violência é recebida pela sociedade como uma necessidade razoável e oportuna, e quando todo ato de piedade, por exemplo, uma sentença absolutória, provoca uma verdadeira explosão do sentimento de vingança insatisfeito?"


"'Quem de nós dois é louco?', pensava com mágoa. 'Eu, que procuro não incomodar com nada os passageiros, ou este egoísta, que pensa ser o mais inteligente e interessante de todos aqui, e que por isso não dá sossego a ninguém?'"


"(...) se um jovem cientista ou literato inicia a sua atividade queixando-se amargamente de outros cientistas ou literatos, isso quer dizer que ele já se extenuou e não serve para o trabalho (...)"


"Quando amanhece, estou sentado na cama, abraçando os joelhos, e, não tendo o que fazer, procuro conhecer a mim mesmo. 'Conhece-te a ti mesmo' – eis um belo e útil conselho; dá pena, porém, que os antigos não tenham adivinhado como indicar o meio de utilizá-lo."


"(...) a vida na cidade era abafada, aborrecida, a sociedade ali não possuía interesses superiores e levava uma vida apagada, sem sentido, diversificando-a com a coação sobre os mais fracos, uma devassidão rude e a hipocrisia; os calhordas estavam vestidos e alimentados, enquanto as pessoas honestas alimentavam-se de migalhas; eram necessários escolas, um jornal local com orientação honesta, um teatro, leituras públicas, uma união das forças intelectuais; era preciso que a sociedade tomasse conhecimento de si mesma e ficasse horrorizada (...)"


"A doutrina que prega indiferença à riqueza, às comodidades da vida, o desprezo pelos sofrimentos e pela morte, é de todo incompreensível para a imensa maioria, pois esta jamais conheceu a riqueza nem aquelas comodidades; e desprezar os sofrimentos significaria para ela desprezar a própria vida, pois toda a essência da vida humana consiste em sensações de fome, frio, ofensas, privações e um medo hamletiano da morte (...)"


"(...) Quando a sociedade se isola dos criminosos, dos doentes psíquicos e da gente incômoda em geral, ela é inflexível (...) Se existem prisões e manicômios, alguém deve ficar neles. Se não for o senhor, serei eu, se não eu, algum terceiro. Espere, quando, num futuro distante, tiverem terminado sua existência as prisões e os manicômios, não existirão grades nas janelas, nem roupões de internados. Está claro que essa época chegará cedo ou tarde (...) Ivan Dmítritch teve um sorriso de mofa."


"(...) Eis os traços que diferenciam um cavalo de carga de um homem de talento: o seu campo visual é acanhado, limitado abruptamente pela especialização; fora da especialidade, ele é ingênuo como uma criança (...)"


"(...) Não consigo expressar para o senhor a amargura que sinto, vendo a arte que amo tanto nas mãos de gente que odeio; é triste que os homens melhores somente vejam o mal de longe, não queiram aproximar-se e, em lugar de entrar na luta, escrevam lugares-comuns num estilo pesado e preguem uma moral de que ninguém precisa... (...)"


"(...) Há talentos literários, cênicos, pictóricos, mas ele tinha um talento peculiar: o talento humano. Possuía uma intuição sutil, magnífica, para a dor em geral. Assim como um bom ator reflete em si os movimentos e a voz alheios, Vassíliev sabia refletir em sua alma a dor alheia. À vista de lágrimas, ele chorava; ao lado de um doente, ele mesmo também ficava enfermo e gemia; se presenciava um ato de coação, tinha a impressão de que essa coação exercia-se contra ele, assustava-se como uma criança e, em seguida, corria em socorro da vítima. A dor alheia enervava-o, deixava-o exaltado, fazia-o atingir um estado de êxtase (...)"


"Pôs-se novamente a caminhar, sempre pensando. Agora formulava o problema de outro modo: o que era preciso fazer para que as mulheres decaídas não fossem mais necessárias? Era indispensável que os homens, que as compravam e assassinavam, sentissem toda a imoralidade do seu papel de donos de escravos e se horrorizassem."


"Pode-se convencer a multidão sentimental e confiante de que o teatro, em sua forma atual, é uma escola. Mas não se pode fisgar com esse anzol aquele que conhece a escola em seu sentido autêntico. Não sei o que será daqui a cinquenta ou cem anos, mas nas condições atuais o teatro só pode servir de divertimento. Todavia, esse prazer é demasiado caro para que se continue a aproveitá-lo. Ele tira ao país milhares de homens e mulheres jovens, sadios e talentosos, que, se não se devotassem ao teatro, poderiam ser bons médicos, plantadores de trigo, professoras, oficiais do Exército; ele tira ao público as horas do anoitecer, as melhores para o trabalho intelectual e as conversas amigas. Isto não se falando nos gastos em dinheiro e nos prejuízos morais que sofre o espectador, quando vê no palco o assassínio, o adultério ou a calúnia, tratados impropriamente."



Presentes aqui

-----------
-----------

“Reinava ali um silêncio mortal. Tudo, até o derradeiro pormenor, falava ali com eloquência da tormenta recentemente vivida, do cansaço (...) Na cama colocada bem junto da janela, estava deitado o menino, de olhos abertos, e uma expressão de surpresa no rosto. Não se movia, mas seus olhos abertos pareciam tornar-se a cada momento mais escuros e penetrar mais fundo no crânio. Diante da cama, permanecia ajoelhada a mãe, com as mãos sobre o corpo dele e o rosto escondido nas dobras da roupa de cama. Ainda que imóvel como o menino, que intensidade de vida sentia-se nas curvas de seu corpo e em suas mãos! Estava pregada àquela cama com todo o seu ser, com todas as suas forças e ansiedade, como se temesse perder a tranquila e cômoda postura que, finalmente, havia encontrado para seu corpo exausto (...)”


“Estava ausente do quarto o horror repulsivo, em que se pensa quando se fala em morte. Naquela petrificação geral, na postura da mãe, na indiferença do semblante do médico, havia algo atraente, comovedor, aquela beleza sutil, apenas perceptível, da aflição humana, que ainda se tardará a compreender e descrever e que somente a música, ao que parece, sabe transmitir. Sentia-se a beleza, mesmo naquela quietude sombria. (...)”


“(...) A frase, geralmente, por mais bela e profunda, atua unicamente sobre os indiferentes, mas nem sempre pode satisfazer àqueles que são felizes ou infelizes, pois o silêncio constitui, com maior frequência, a mais elevada expressão da felicidade ou do infortúnio. Os que se amam compreendem-se melhor quando calados, e um discurso ardente, apaixonado, proferido sobre o túmulo de alguém, comove unicamente as pessoas estranhas ao defunto, parecendo frio e insignificante a sua viúva e filhos.”


“Sob a invasão desordenada dos devaneios, das imagens poéticas do passado e de um doce pressentimento de felicidade, o pobre homem cala-se e apenas move ligeiramente os lábios, como se estivesse murmurando para si mesmo. Não lhe sai do rosto um sorriso embotado de beatitude. (...) Na quietude outonal, quando uma névoa gélida passa da terra para o coração humano, quando ela se alça como uma parede de prisão e testemunha ao homem a limitação de sua vontade, torna-se doce pensar nos rios largos e rápidos, de margens amplas e escarpadas, nas florestas impenetráveis, nas estepes sem fim. A imaginação desenha, lenta e tranquilamente, a imagem de um homem que, de manhã cedo, quando ainda não sumiu do céu o rubor da aurora, atravessa, qual mancha, a margem deserta e escarpada. Os pinheiros seculares, que parecem mastros e se agrupam como em terraços, de ambos os lados da torrente, olham com severidade para aquele homem livre e resmungam taciturnos. Vendam-lhe o caminho raízes, pedras enormes e arbustos espinhosos, mas ele é forte de corpo e espírito, não teme os pinheiros, nem as pedras, nem sua solidão, nem o retumbar do eco, que repete cada uma de suas passadas.”


“Saber que não o compreendem, que não querem e não podem compreendê-lo, impede Macar de se deliciar com a primavera. Tem a impressão de que, se o compreendessem, tudo se tornaria maravilhoso. Mas, como podem compreender se é talentoso ou não, se, em todo o distrito, ninguém lê coisa alguma, e, se lê, seria melhor que não o fizesse. Como fazer compreender ao general Striemoúkhov que aquela coisinha francesa é insignificante, vulgar, banal, surrada, como explicar-lhe isto, se ele nada leu na vida, a não ser tais coisinhas vulgares?”


“Os animais domésticos desempenham um papel quase imperceptível, mas indiscutivelmente benévolo, na educação e na vida das crianças. (...) Tenho, às vezes, a impressão, até, de que a paciência, a fidelidade, a capacidade de perdoar e a sinceridade, inerentes aos nossos bichos caseiros, atuam sobre o cérebro infantil de modo muito mais forte e positivo que as longas homilias do seco e pálido Karl Kárlovitch ou as digressões nebulosas da governante, procurando demonstrar à garotada que a água é composta de hidrogênio e oxigênio.”


“A voz e os movimentos que fazia o recém-chegado indicavam um estado de extrema agitação. Como alguém assustado por um incêndio ou por um cão raivoso, mal continha a respiração precipitada, falava rapidamente, com voz trêmula, e percebia em sua voz algo realmente sincero, algo de temor infantil. Como toda pessoa assustada e atordoada, falava com frases curtas, entrecortadas, e proferia muitas palavras supérfluas, que nada tinham a ver com o caso.”


“Abóguin seguiu-o e agarrou-o pela manga.
– O senhor está em aflição, eu compreendo, mas eu não o convido para tratar os dentes de alguém ou para uma peritagem, trata-se de salvar uma vida humana! – continuou implorando, como um mendigo. – Essa vida está acima de qualquer aflição individual! Estou lhe pedindo que tenha valor, que faça um sacrifício sublime! Em nome do amor à humanidade!
– O amor à humanidade é uma faca de dois gumes – disse irritado Kirilov. – Em nome do mesmo amor à humanidade, eu lhe peço que não me leve daqui. Como é estranho, meu Deus! Mal consigo me manter em pé e o senhor me ameaça com o amor à humanidade! Não sirvo para nada, neste momento... não irei, por nada nesse mundo. Além disso, quem cuidaria de minha mulher? (...)”


“(...) Veio-lhe o pensamento: e se a mulher viajasse realmente para o estrangeiro? Viajar é agradável sozinho, ou em companhia de mulheres sem compromissos, despreocupadas, que vivam apenas o momento presente, e não daquelas que, durante toda a viagem, falem de filhos, suspirem, assustem-se com as despesas. Ivan Dmítritch imaginou a mulher no trem, carregada de cestos e pacotinhos, suspirando sempre por alguma coisa e queixando-se de que a viagem lhe deu dor de cabeça, que já gastou muito dinheiro; a cada momento, é preciso correr para a estação, arranjar água quente, sanduíches, água potável... Ela não quer jantar, porque a refeição é cara (...) pela primeira vez na vida, reparou em que a mulher envelhecera, ficara mais feia, estava impregnada de cheiro de cozinha, enquanto ele ainda era moço, sadio, viçoso, bom para casar novamente.”


“Abóguin e o médico ficaram parados um em face do outro e, irados, continuaram a lançar-se ao rosto ofensas imerecidas. Em sua vida, seguramente, mesmo em delírio, jamais haviam dito tantas palavras injustas, cruéis e absurdas. Pela boca de ambos, falava o egoísmo dos infelizes. Os infelizes são egoístas, maus, injustos, cruéis e menos capazes de se entender entre si que os imbecis. A infelicidade não une, mas separa os homens e, mesmo nos ambientes em que, parece, eles deveriam ficar unidos pela paridade do infortúnio, comentem-se muito mais injustiças e crueldades que num meio de gente relativamente satisfeita.”


“(...) Com a embriaguez, passara-lhe a vontade de enganar a si mesma e, a partir daquele instante, via claramente que não amava e não podia amar o marido, que tudo aquilo era tolice, estupidez. Casara-se por cálculo, porque ele, segundo diziam suas companheiras de escola, era terrivelmente rico (...) Se pudesse supor, quando estava se casando, que seria tão difícil, tão terrível e indecente, não concordaria em casar-se, por riqueza nenhuma no mundo. (...) Imaginou que, antes de chegar a velhice e a morte, ainda se arrastaria uma vida bem longa e, dia a dia, seria preciso levar em conta a presença do homem que não amava, que já entrara no quarto e estava se deitando para dormir, e seria necessário abafar dentro de si o amor sem esperança pelo outro, que era moço, sedutor e, como ela pensava, extraordinário. Olhou para o marido e quis desejar-lhe boa noite, mas, em vez disso, pôs-se de repente a chorar. Sentia despeito contra a si mesma.”



Presentes aqui

-----------
-----------

"A folhagem das árvores estava quieta, cigarras cantavam e o ruído surdo e monótono do mar, vindo de baixo, falava de repouso, do sono eterno que nos espera. Esse barulho já se fazia ouvir ali quando não havia nem Ialta, nem Oreanda; ele se faz ouvir agora e será assim também no futuro, surdo e indiferente, quando nós não mais existirmos. E nessa constância, nessa completa indiferença em relação à vida e à morte de cada um de nós, esconde-se, talvez, a garantia de nossa salvação eterna, do incessante movimento da vida na terra, do seu contínuo aperfeiçoamento."


"O passado acabou e não interessa, o futuro é insignificante, e esta noite maravilhosa, única na vida, logo vai terminar, vai se fundir com a eternidade – então, para que viver?"


"Aos poucos ele aprendeu pela experiência que, enquanto se trata de jogar cartas ou de comer na companhia de um burguês, este permanece pacífico, benevolente e é até mesmo inteligente; porém, basta apenas puxar o assunto para algo não comestível, como política ou ciência, por exemplo, que ele fica num beco sem saída ou vem com alguma filosofia obtusa e perversa, e o único remédio é desistir e ir embora. Quando Stártsev tentava conversar com um burguês, mesmo um liberal, a respeito, por exemplo, da ideia de que a humanidade, graças a Deus, está avançando e de que, com o tempo, os documentos de identidade e a pena de morte serão dispensáveis, o tal burguês o olhava de esguelha e perguntava desconfiado: 'Quer dizer então que qualquer um vai poder degolar quem quiser na rua?'. E quando, em sociedade, num jantar ou tomando chá, Stártsev dizia que era necessário trabalhar, que não se pode viver sem trabalhar, cada um interpretava isso como uma crítica, zangava-se e começava a discutir de maneira inconveniente"


"Enquanto caminhava, ele pensava que muitas vezes você encontra pessoas na vida e que, infelizmente, desses encontros não fica nada mais do que recordações. Acontece vermos de relance as cegonhas no horizonte, a brisa traz seus gritos triunfais e lamentosos, mas um minuto depois, por mais que você esquadrinhe ansiosamente o azul distante, não verá nem sinal delas, e não ouvirá um som sequer – exatamente assim as pessoas, com seus rostos e falas, passam de relance por nossa vida e se afundam em nosso passado, sem deixar mais do que ínfimos vestígios de lembranças."


"(...) ele julgava os outros por si mesmo, não acreditava no que via, supondo sempre que para cada pessoa, sob o manto do segredo, assim como sob o manto da noite, se passava a sua verdadeira vida, a mais interessante. Cada existência pessoal sustenta-se no segredo, e talvez por isso que o homem educado exige tão nervosamente respeito à sua privacidade."


"Na companhia dos homens ele se sentia entediado, pouco à vontade, ficava calado e frio; mas, no meio das mulheres, sentia-se livre e sabia o que dizer e como se comportar. Era-lhe fácil até mesmo ficar calado na presença delas. Na sua aparência, no seu caráter, em todo o seu modo de ser havia algo sedutor, imperceptível, que predispunha favoravelmente as mulheres em relação a ele e as atraía (...) Sua farta experiência, na realidade uma experiência amarga, há muito lhe ensinara que toda aproximação, que no início traz uma agradável variedade à vida e que promete ser uma aventura leve e divertida (...) fatalmente se transforma num problema terrivelmente complexo, e no final a situação se torna muito penosa. Porém, a cada novo encontro com uma mulher interessante era como se essa experiência escapasse da memória; dava vontade de viver, e tudo parecia simples e divertido."



Presentes aqui

-----------
-----------

"Ver e ouvir como mentem (...) e depois te chamam de bobo, porque toleras essas mentiras; suportar ofensas, humilhações, não se atrever a declarar abertamente que estás do lado das pessoas honestas e livres, e mentires tu mesmo, sorrir, e tudo por causa de um pedaço de pão, por causa de um titulozinho qualquer, que não vale um centavo – não, não é mais possível viver assim!"


"(...) o marido é sempre assim... honesto, justo, ponderado, sensatamente econômico, mas tudo isso em dimensões tão extraordinárias, que os simples mortais sentem-se sufocados. Os parentes afastaram-se dele, os criados não param mais do que um mês, conhecidos não há, a mulher e os filhos estão sempre tensos de medo com cada um dos seus passos. Ele não bate, não grita, tem muito mais virtudes que defeitos, mas quando ele sai de casa, todos se sentem mais leves e saudáveis."


"Quanto mais desenvolvido é o homem, quanto mais ele pondera e entra em detalhes, tanto mais ele fica vacilante, cismado, e põe mãos à obra timidamente. Na verdade, se pensarmos em profundidade, quanta coragem e confiança em si mesmo são necessárias para se atrever a ensinar, julgar, escrever um livro grosso."


"Confesso que sepultar pessoas como Biélikov é um grande prazer. Quando voltávamos do cemitério, ostentávamos expressões modestas e neutras; ninguém queria demonstrar esse momento de satisfação – um sentimento parecido com aquele que experimentávamos havia muito, muito tempo, ainda na infância, quando os adultos saíam de casa e nós corríamos pelo jardim uma hora ou duas, deliciando-nos com a liberdade completa. Ah, liberdade, liberdade! Até uma alusão, até uma débil esperança da sua possibilidade empresta asas à alma, não é verdade?"


"As desgraças que já experimentamos e que estão presentes agora são tão grandes, que é difícil imaginar algo ainda pior. Que mal ainda se pode causar ao peixe que já está pescado, frito e servido à mesa, ao molho?"



Presentes aqui

-----------

Fotos de Tchekhov retiradas daqui

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão

Dez passagens de Clarice Lispector nas cartas dos anos 1950 (parte 1)

Clarice Lispector (foto daqui ) “O outono aqui está muito bonito e o frio já está chegando. Parei uns tempos de trabalhar no livro [‘A maçã no escuro’] mas um dia desses recomeçarei. Tenho a impressão penosa de que me repito em cada livro com a obstinação de quem bate na mesma porta que não quer se abrir. Aliás minha impressão é mais geral ainda: tenho a impressão de que falo muito e que digo sempre as mesmas coisas, com o que eu devo chatear muito os ouvintes que por gentileza e carinho aguentam...” “Alô Fernando [Sabino], estou escrevendo pra você mas também não tenho nada o que dizer. Acho que é assim que pouco a pouco os velhos honestos terminam por não dizer nada. Mas o engraçado é que não tendo absolutamente nada o que dizer, dá uma vontade enorme de dizer. O quê? (...) E assim é que, por não ter absolutamente nada o que dizer, até livro já escrevi, e você também. Até que a dignidade do silêncio venha, o que é frase muito bonitinha e me emociona civicamente.”  “(...) O dinheiro s

Dez passagens de Jorge Amado no romance Mar morto

Jorge Amado “(...) Os homens da beira do cais só têm uma estrada na sua vida: a estrada do mar. Por ela entram, que seu destino é esse. O mar é dono de todos eles. Do mar vem toda a alegria e toda a tristeza porque o mar é mistério que nem os marinheiros mais velhos entendem, que nem entendem aqueles antigos mestres de saveiro que não viajam mais, e, apenas, remendam velas e contam histórias. Quem já decifrou o mistério do mar? Do mar vem a música, vem o amor e vem a morte. E não é sobre o mar que a lua é mais bela? O mar é instável. Como ele é a vida dos homens dos saveiros. Qual deles já teve um fim de vida igual ao dos homens da terra que acarinham netos e reúnem as famílias nos almoços e jantares? Nenhum deles anda com esse passo firme dos homens da terra. Cada qual tem alguma coisa no fundo do mar: um filho, um irmão, um braço, um saveiro que virou, uma vela que o vento da tempestade despedaçou. Mas também qual deles não sabe cantar essas canções de amor nas noites do cais? Qual d