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Mostrando postagens de setembro, 2016

Programação das mesas literárias da Flica 2016

Site oficial aqui Quinta 13/10 Mesa 1 – 15h “Histórias da gente brasileira” Mary Del Priore Mediação: Jorge Portugal Mesa 2 – 19h “100 anos de Zélia Gattai” Maria João Amado e Jailma Pedreira Mediação: Mira Silva -------- Sexta 14/10 Mesa 3 – 10h “Do Éden à Finlândia” Eduardo Spohr e Scarlet Rose Mediação: Suzane Lima Costa Mesa 4 – 15h “A voz do autor” Miltom Hatoum e João Filho Mediação: Mirella Márcia Mesa 5 – 19h “O mar, um mapa, a audácia” Ana Maria Machado conversa com Mônica Menezes -------- Sábado 15/10 Mesa 6 – 10h “Histórias de humor sutil, micromundos familiares e fratura generalizada” Juan Gabriel Vásquez (Colômbia) e Antonio Prata Mediação: Zulu Araújo Mesa 7 – 14h  “Exílios interiores” Ana Martins Marques e Ângela Vilma Mediação: Mônica Menezes Mesa 8 – 17h “As águas dos contrassonetos e os olhos da vândala insubmissão” Conceição Evaristo e Alex Simões Mediação: Lívia Natália Mesa 9 – 20h “Entre cidades atlânti

Cinco poemas e três passagens de César Gilcevi no livro Os ratos roeram o azul

César Gilcevi Foto: Fernando Prates Infância IX (o livro dos mortos) César Gilcevi reginaldo tomou formicida roberto tiro da polícia ronaldo gauche endividado no amor & no baralho rubens o morto virgem  sob os aguapés da pampulha rosa cardíaca neusa infartada euclides caduco gérson chagas renato cabeça a prêmio por pedra penhorada márcia sob as rodas do carro mirileide foi violada lucas era bom no ringue mas punho não para bala alice estava no lugar errado flávia na fila do sus vinha eclipsou o ventre chico não teve escolha preto chacinou o natal & se foi com o berro na boca no início era o verbo morrer -------- Infância VIII (o hóspede) César Gilcevi & de repente nos demos conta daquele hóspede ao pé da escada gordo & inconfessável como um crime antigo ninguém (talvez os mortos que tudo veem) o havia notado antes: a calva farta aquele estranho broquel pendendo na lapela traz os lábios paralisados num sorriso indecifrável sécu

Cinco poemas e três passagens de Ana Martins Marques em O livro das semelhanças

Ana Martins Marques Foto: Rodrigo Valente Coleção Ana Martins Marques                           para Maria Esther Maciel Colecionamos objetos mas não o espaço entre os objetos fotos mas não o tempo entre as fotos selos mas não viagens lepidópteros mas não seu voo garrafas mas não a memória da sede discos mas nunca o pequeno intervalo de silêncio entre duas canções -------- Ana Martins Marques Combinamos por fim de nos encontrar na esquina das nossas ruas que não se cruzam -------- Mar Ana Martins Marques Ela disse mar disse às vezes vêm coisas improváveis não apenas sacolas plásticas papelão madeira garrafas vazias camisinhas latas de cerveja também sombrinhas sapatos ventiladores e um sofá ela disse é possível olhar por muito tempo é aqui que venho limpar os olhos ela disse aqueles que nasceram longe do mar aqueles que nunca viram o mar que ideia farão do ilimitado? que ideia farão do perigo? que ideia farão de

Cinco poemas e três passagens de Gustavo Felicíssimo no livro Desordem & outros poemas inéditos

Gustavo Felicíssimo Foto: Fausto Roim À posteridade Gustavo Felicíssimo Ocorreu-me de escrever um poema à posteridade. Um poema que assegure a permanência do meu nome, seja lá o que isso signifique. Um poema tão claro e puro quanto essa exclamação: posteridade, vá se foder! -------- Ladrando feito um cão Gustavo Felicíssimo Certo! Um dia verei Deus com esses olhos que a terra há de comer. O que face a face me dirá, não sei,            mas lhe beijarei as mãos            e tomarei a sua benção como outrora fiz à minha mãe. Então mostrarei o nome do seu filho impresso nas paredes dos prostíbulos e nas páginas de antigos livros que unem e separam os homens. Mostrarei tantos clamores inauditos, os discursos pela paz mundial             e aquele franzino Davi montado em poderosos helicópteros e tanques de guerra subjugando o seu irmão. Estarei ladrando feito um cão            e ele me lembrará que a videira é seca, suja e torta, que esse vale é fei

Seis poemas de Carollini Assis em O livro das palavras mal ditas

Carollini Assis (foto daqui ) Paixão Carollini Assis A dor do crucifixo da mulher roçando o pescoço do amante. -------- Noivado Carollini Assis Peço-te a mão. Aceitas uma punheta? -------- Avó Carollini Assis – Vou me casar. – Deus te abençoe. (silêncio) – Ele te bate, minha filha? -------- Valença Carollini Assis Esse cheiro de peixe que de mim exala mesmo quando uso Chanel n º 5. -------- Chapeuzinho Vermelho Carollini Assis Enquanto seu lobo não vem, visito o lenhador. -------- Faz-me rir Carollini Assis Acreditei quando criança: sapos viram príncipes. Agora estou no brejo. Presentes no livro de poemas " O livro das palavras mal ditas " (Mondrongo, 2016), de Carollini Assi s, páginas 56, 65, 38, 47, 39 e 16, respectivamente.

Nove passagens de Carlos Barbosa no livro de contos O chão que em mim se move

Carlos Barbosa – Foto: Sarah Fernandes "O gemido da mulher eclode e mistura-se aos ruídos do motor, dos pneus no asfalto e do ar deslocado pelo ônibus em seu mergulho na noite. Um gemido que prenuncia tragédia, não dor passageira, pontada qualquer. E se faz choro espremido, nasalado, numa contenção que só a discrição da mulher sertaneja pode engendrar. Servílio apruma-se na poltrona e repara nas palavras que a mulher deixa escapar por entre lágrimas. Nem precisava. Compreende de imediato que o bebê morrera, estava morto, talvez, desde quando estivera em seus próprios braços." "Com o bucho na boca, minha mãe montou uma égua e viajou doze léguas até o Bendiá. Lá, me despejou no mundo. Dias depois, meu pai teve que providenciar uma caixa de sapatos pro meu enterro. Que, obviamente, não aconteceu. O detalhe da caixa de sapatos, cujo número jamais soube, em urna funerária feita, sempre me espantou mais que o risco que corri de um dia morrer sem nadar no rio São Franc

Cinco poemas e três passagens de Ruy Espinheira Filho no livro Milênios e outros poemas

Ruy Espinheira Filho (foto: Joá Souza) Soneto das mesas Ruy Espinheira Filho Convido os irmãos mortos para a mesa. E mais o pai. E a mãe. E amigos tantos. Não para reviver coisas de prantos, pois horas dolorosas nesta mesa não podem ter lugar. Tem a certeza do amor com que bordamos nossos mantos de dias já cumpridos e outros tantos que são dos reunidos nesta mesa. Os que se foram, eis que não se foram de vez. E sempre vêm, quando os convido ou não convido – jovens, sem tristeza. Pai, mãe, irmãos, grandes amigos... Douram-me a alma – enquanto aguardo, comovido, minha vez de sentar-me à sua mesa. -------- Brilhos Ruy Espinheira Filho Não muito natural despertar na manhã aberta de verão pensando que os brilhos se apagam. Mas assim comecei hoje e logo recordei uma amiga dizendo com olhos úmidos em saída de cemitério que o que mais vira na vida é tudo nos puxar para baixo para o chão. Disto me lembro e de um momento em que tendo ouvido minha mãe

Cinco poemas e três passagens de Ângela Vilma no livro A solidão mais funda

Ângela Vilma (foto daqui ) Para Lívia Natália Ângela Vilma Tenho nesse corpo – aparentemente frágil – uma raiz longa, úmida, selvagem. Minha carne negra vislumbra o que há de mais secreto no céu: a noite. Sou maré alta, amiga. E também sou árvore. Um bambu, cai não cai, e embora eu venha do rio tenho o sal do mar no meu corpo magro, assim como tens no corpo o mar e a tempestade das águas escuras do rio Gafanhoto e do Paraguaçu: moradias de Oxum, encobrindo o excesso de claridade de todas as manhãs. Temos as mesmas águas na alma feita de peixes, marés, e pedras: frenéticas, nos levam ao fundo ao fundo onde moram os enterrados vivos. -------- Para Rimbaud Ângela Vilma A lua zombou amarelo nesse sol de setembro. Meus braços se abriram negros para o amor e a branca nuvem, que é a morte, me enlaçou. A branca nuvem das ausências e escolhos solapou o vermelho sangue dos sortilégios amorosos, e o mais azulado fogo fátuo das promessas. Eu grito em li

Cinco poemas e três passagens de Mônica Menezes no livro Estranhamentos

Mônica Menezes – Foto: Sarah Fernandes Do tempo Mônica Menezes                 Para Íris Hoisel e seu pai meu avô é uma cadeira de balanço vazia -------- Dos triunfos Mônica Menezes sou um fracasso para o sucesso sou um sucesso para o fracasso mas, quando eu nasci, o médico disse: – por pouco. -------- Poema de areia Mônica Menezes escrevi meu destino na areia da praia o mar apagou -------- Relíquia Mônica Menezes levarei comigo o retrato de nós dois que não tiramos -------- Semente Mônica Menezes quando eu nasci enterraram meu umbigo na fazenda do meu avô os anos passaram meu avô morreu retalharam a terra e eu parti para a cidade mas até hoje estou plantada lá naquele chão vermelho que nem existe mais -------- "se eu pudesse desceria ao seu abismo para vivermos juntos a escuridão" "os pés, as mãos, os joelhos, o nariz tudo é tão esquisito nela os polegares pequenos dificultam o entremear dos fios

Dez passagens de Pepetela no romance A gloriosa família — O tempo dos flamengos

Pepetela (foto daqui ) "(...) No fundo, devo constatar, a única coisa que se acumula numa vida são as dúvidas." "(...) Ngola Kiaito saiu dali muito satisfeito, pois até o governador reconhecia o valor do sábio Sukeko, os filhos da terra começavam a ganhar notabilidade. E trouxe o kimbanda em grande estilo, com um séquito numeroso de dançarinos com ngomas, marimbas e pandeiros, enquanto o Sukeko vinha numa rede transportada entre dois cavalos, o mesmo sucedendo com o soba. Os bailarinos davam grandes saltos, brandindo azagaias, apontando escudos de pede de antílope, imitando gestos guerreiros, numa prova de grande alegria pela honra feita ao incomparável kimbanda. Só que, ao tentarem atravessar o rio Lucala para entrarem na vila, foram cercados pela infantaria portuguesa e com alguns tiros foi afastada a multidão que os acompanhava. O kimbanda e o soba foram presos. (...) Sukeko foi para as masmorras. Vários padres falaram com ele, tentando doutriná-lo para reneg