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Vamos ouvir: Sacode, do Nevilton

Sacode (2013), de Nevilton

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Release disponível no site do power trio:

Formado em Umuarama, interior do Paraná, o power trio Nevilton é um dos grandes acontecimentos do rock brasileiro. Após lançar o EP Pressuposto (eleito o quarto melhor lançamento de 2010 pela revista Rolling Stone) e o álbum De Verdade (que trouxe a música “Tempos de Maracujá”, cujo clipe ficou entre os cinco finalistas no mais recente Grammy Latino), o grupo revela Sacode!,coleção de 12 faixas gravadas na mítica Toca do Bandido (RJ), com produção de Carlos Eduardo Miranda e o auxílio inestimável do coprodutor Tomás Magno. O disco é um lançamento do selo Oi Música, que promoveu o concurso Música Para Todo Mundo em 2012, com o objetivo de contratar quatro novos artistas para o seu elenco. A banda foi uma das ganhadoras na categoria voto popular.

Nevilton de Alencar (voz e guitarra), Tiago “Lobão” Inforzato (baixo e vocais) e Eder Chapolla (bateria e vocais), partiram para o estúdio com cerca de trinta canções escritas e a certeza de que precisavam de um produtor que soubesse tirar um som potente de trio. O nome de Miranda logo foi sugerido pela gravadora, levando em conta seus trabalhos com bandas enxutas, caso dos Raimundos, e também os excelentes discos que extraiu de Mundo Livre S/A, Skank, Lobão, Móveis Coloniais de Acaju e Gaby Amarantos. Logo no primeiro ensaio, o gaúcho ficou impressionado com a qualidade do material e o virtuosismo da formação. Sua missão a partir desse dia foi evidenciar a técnica do trio em canções simples e diretas. Algo paradoxal, mas que Miranda atingiu após quatro meses de parceria. Sacode! é o registro de uma jamband que não se perde em longas jams. Consegue agradar tanto o ouvinte mais exigente, que se emociona com instrumentistas esmerilhando, quanto aquele que só quer uma melodia bonita para assoviar.

Como a banda hoje reside em São Paulo, a saudade de Umuarama serviu de inspiração para várias letras do garoto Nevilton, que assina todo o repertório. Saudade e a vida na estrada. Poucos grupos independentes rodam tanto o país – de avião, ônibus ou com os carros que os músicos já tiveram, batizados de Átila, o Uno e Ayrton, o Siena. A banda já esteve em todas as regiões do Brasil mais de uma vez. Nem durante as gravações de Sacode!eles pararam: foram 18 shows no meio do processo.

No aspecto estritamente musical, novas influências entraram no caldeirão do trio. Mas as anteriores não foram descartadas. Quem achava o grupo parecido com o Supergrass dos primórdios, reforçará isso ao ouvir “Porcelana”, que Nevilton escreveu morrendo de saudade da mãe e tocado pela morte do avô. Já os que reconhecem no trio uma pegada que remete ao rock nacional dos anos 80 vão gostar de “Satisfação”, com um riff de guitarra que Frejat assinaria no auge do Barão Vermelho. A bagagem indie rock está concentrada nas belíssimas “Espero que Esteja Melhor” e “Até Outra Vez”, duas faixas que só poderiam ser escritas por alguém que conhece a discografia do Pavement de cabo a rabo. Nelas, o romantismo cheio de esperança de Nevilton amarra os versos. Mas ele também sabe se queixar. “Jardineiro”, que tem tudo para ser o grande sucesso do álbum, trata de alguém cansado de tentar agradar. A canção foi escrita num período em que o cantor estava imerso nos discos do norueguês SondreLerche.

Algumas faixas mais introspectivas também possuem potencial enorme para agradar. Um exemplo é “Crônica”, escolhida para abrir Sacode!na maciota. Já “Friozinho”, que surge no meio da audição, se destaca pelas delicadas harmonizações vocais dos três integrantes (uma constante no álbum) e por sua letra sobre um amor maduro que ainda causa friozinho na barriga. “Noite Alta” fica no meio do caminho entre esse Nevilton mais suave e o comcompunch. O ponto do alto é seu solo de guitarra, com timbre blueseiro.

A mais pesada do disco é a faixa-título. Ela resume a filosofia da banda, que é conhecida na cena alternativa por não conhecer tempo ruim. “Se a barra pesa, sacode”, diz o refrão. Essa tem até solinhos de baixo e bateria. A mais veloz, no entanto, é “Bailinho Particular”, que foi composta como uma guitarrada paraense, mas acabou virando um tema punk por sugestão de Miranda. “Só pra Dizer”, uma música sobre amizade, apresenta a faceta mais funkeada do trio. Ao vivo, o grupo é daqueles que faz tantas estripulias em cima do palco que a plateia é obrigada a ir no embalo. Quem já está familiarizado com a banda, aliás, notará que o cantor tem certa obsessão com o oceano ao ouvir “Vou Ver o Mar”. É natural que ele fantasie sobre isso: a praia mais próxima de Umuarama fica a cerca de 700 quilômetros. Mas o rapaz de 26 anos (Chapolla tem 28 e Lobão, 32) agora mora mais perto do litoral e pode se banhar sem precisar cruzar o continente.

Se com o EP e o primeiro álbum o grupo conquistou tantas coisas – faltou mencionar um concurso que resultou na abertura do show do Green Day, outro rendeu uma abertura para Erasmo Carlos, o Prêmio Multishow 2011 na categoria Experimente, “O Morno” sendo eleita a segunda melhor música de 2010 pela Rolling Stone etc… –,não dá para mensurar o que o novo CD trará para o Nevilton. O que é possível cravar é que a banda está ainda melhor. E ela nunca vai parar. Sacode!

José Flávio Júnior
(fevereiro de 2013)

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